
Padre Stefan - Boa Nova
Padre Stefan
Boa Nova

publicamos este excelente texto sobre a Espiritualidade de Nazaré, por
uma religiosa, que nos autorizou divulgá-lo.
FALAR DE DEUS HOJE, A PARTIR DE NAZARÉ - Por Vilma Moreira.
2 Que coisa boa pode sair de Nazaré? (Jo 1,46)
No tempo de Jesus, Nazaré era um lugar de má fama, marginalizado, escuro,
pequeno.e desconhecido, jamais mencionado no AT: algumas casas
escavadas na rocha, pó, calor, rotina... Um povoado cinzento e esquecido,
desprezível aos olhos do mundo: lugar de silêncio, do pequeno, ineficaz, sem
brilho e sem lucro. Terra de ninguém, lugar impensável para dar abrigo ao Messias.
Entretanto, ao contemplar ali a Jesus, Jose e Maria, estes parâmetros de avaliação
puramente humanos mudam. Nazaré se torna o lugar de uma vida oculta cheia
de sentido, de um silencio ativo, de um trabalho artesanal santificado, de coisas
pequenas que educam e fazem crescer, de um anonimato que gera vida; um
lugar de formação permanente, de uma atividade fruto da reflexão e não de um
ativismo desenfreado; lugar - para saborear a vida e as coisas com serenidade;
de contemplação e admiração, de respeitar-se mutuamente ao saber-se iguais
e diferentes, conhecendo a cada pessoa.pelo nome; lugar de poder sentar-se
à porta e escutar os outros, os vizinhos, a natureza, a realidade...
Lugar de viver do próprio trabalho, de sentir necessidade dele para sobreviver,
lugar de conviver com as pessoas humildes, de relacionar-se e crescer juntos,
de partilhar a sorte dos menos favorecidos, de conhecer a própria vocação
no encontro diário com a Vontade do Pai e de aprender a responder a ela como
Filho e Irmão...
Ainda que tudo fosse simples e pobre, Nazaré não era um lugar de passividade.
La existia o que poderíamos chamar de certo "entusiasmo messiânico". Lá
ressoavam os gritos dos mais pobres, as aspirações do povo oprimido e se
organizavam alguns grupos de guerrilheiros ativistas que "resistiam" a
dominação do Império Romano. Jesus, Maria e.•José habitavam esse povoado
da Galiléia.
Assim, Nazaré não significava para Jesus um lugar de submissão e dependência
e sim de escuta e de obediência real e concreta... Um lugar de aprendizagem
com todo o seu ser: com o olhar, as mãos, os pés e o coração que acolhiam e
percebiam nos menores sinais "as pegadas do Pai"... Ali se lhe afinou o ouvido
para escutar e tocar "as coisas de Deus e os gritos e as feridas do mundo”...
Em Nazaré o Filho de Deus passou a maior parte de seu tempo e se apaixonou perdidamente pelo Reino de Deus e pelo Deus do Reino.
Como escreve Dolores Aleixandre, "Nazaré e o lugar da nova sabedoria: essa sabedoria na que, segundo Lucas, Jesus ia crescendo, além de crescer em estatura e graça" (Lc 2,52). Nazaré nos lembra que o Reino está escondido, "que o silêncio e a pobreza são tesouros ocultos, que as coisas de Deus se conhecem a partir do coração: que seu Filho se acostumou a ser homem na obscuridade do cotidiano. a partir do trabalho anônimo em uma aldeia perdida". Nazaré é o lugar geográfico, social, cultural e teológico a partir do qual se situa Jesus de Nazaré, para preparar-se para a missão de anúncio do Reino, seu "noviciado". Dalí Ele saiu para pregar e formar seus discípulos e discípulas. Ali se gestaram seu projeto, sua mensagem e seu mistério pascal.
3. Ouvidos e língua de discípulas e discípulos (Is 50, 4-6)
Estou profundamente convencida de que hoje - mais do que nunca - só se pode falar de Deus a partir da vida.,da experiência e do testemunho... Só a partir deles se pode anunciar, denunciar e comprometer-se na transformação de uma realidade de morte numa realidade de VIDA... Por isso, a "experiência da vida em Nazaré” é hoje, para toda a Vida Consagrada, uma referência importantíssima no Seguimento e Pros-seguimento de Jesus.
Em um.mundo como.o nosso, onde o que mais conta e vale é o ter e o poder, onde o que mais chama a atenção é:o que brilha, o que custa muito dinheiro e tem bela aparência, como cristãos e cristas e sobretudo como Vida Consagrada, só poderemos falar de Deus a partir do lugar geográfico, social, cultural e espiritual de Jesus de Nazaré, filho de Deus e de Maria, a Nazarena.
Para isso, devemos "captar e incorporar" em nós e em tudo o que é nosso "o modo de ser e de proceder de Jesus": ter seus mesmos sentimentos, aspirações e critérios; viver sua kénosis e aprender d'Ele a ser filhas e filhos, irmãs e irmãos na grande família dos filhos de Deus (Cf. Flp 2)
Daí a importância dada a voltar a Nazaré desde os inícios da história da Vida Consagrada e de recordar nossas raízes congregacionais desde o profetismo e•a contraculturalidade de nossas origens carismático-proféticas. Tudo isto se toma um convite a fazer uma memória enriquecida do longo caminho de tantos homens e mulheres que nos precederam no seguimento de Jesus de Nazaré; recordar sua historia e. "refletir para tirar algum proveito” como ensina Santo Inácio nos Exercícios Espirituais. Sem dúvida, um grande proveito...
Por isso, eu as/os convido e me convido também a "refazer" com muito carinho, ternura e reverência nosso caminho de Seguimento de Jesus na Vida Consagrada à Luz de Nazaré. Isto supõe, em primeiro lugar, voltar à Escola da Sagrada Família: deixar as cátedras e as salas de aula das grandes Universidades que nos fascinam e sentar-nos nos bancos de madeira da escola de José, o carpinteiro... Deter-nos em seu lugar de trabalho... Contemplar e admirar – com os olhos do coração - o que ele e Maria fazem para servir seu povo; tomar um chá ou um café com a família, comer tâmaras e nozes com eles; contemplar o Menino que brinca e que cresce em idade, sabedoria e graça (Lc 2, 40). Escutar com eles os ventos suaves, os leves rumores; as mensagens do Espírito e deixar-nos ensinar... Calçar as sandálias da simplicidade e sair com Maria para visitar as famílias; ir com ela à fonte do povoado e encontrar as mulheres para conversar com elas e aprender delas... Recuperar a verdadeira humildade e simplicidade de nossas origens carismáticas: situar-nos como discípulas e discípulos e não como quem sabe tudo... Pedir a graça de aprender a escutar e a falar com e desde o coração: experimentar o Deus dos pobres a partir de suas entranhas de misericórdia para com os pequenos e os pecadores. Fazê-Lo a partir da pequena Nazaré, “terra de ninguém", pátria de todos os que procuram o Deus de Jesus, de Maria e de José, movidos pela Divina Ruâh.
Nazaré é assim o lugar teológico que deve constituir-se para a Vida Consagrada em lugar de revelação e de reencontro com o simples, o silencioso, o sem brilho: um lugar de aprendizagem da teologia do cotidiano. La se realiza o que diz Is 55, 1 e 8: nós nos encontramos com a teologia de Deus que e a do dom, do gratuito. Em Nazaré ficam muito relativizados os valores da Economia do Mercado, da Informatização, da competição, da mundialização ... Realiza-se o encontro da sabedoria com a gratuidade. A experiência de Nazaré não se compra com dinheiro, títulos, concursos, "pistolões" ou poder. Aprende-se grátis na única escola da vida do povo. Precisamos voltar a Nazaré para aprender a única sabedoria que tem sentido e é eficaz aos olhos de Deus, e que tem parâmetros muito diferentes dos do mundo. Para Deus, o que conta é o sem muita aparência, o gratuito, a loucura da cruz (Cf. 1 Cor 1, 22-24). Deixemo-nos tocar por essa sabedoria e simplicidade como discípulas e discípulos, fiéis e seguidores de Jesus de Nazaré; para depois voltar à complexidade da vida com outros olhos, mãos, pés, ouvidos e coração, como pessoas menos exigentes e complicadas, mais humildes, mais semelhantes ao Filho de Deus e filho de Maria de Nazaré
4. Nazaré, lugar "contracultural"
No mundo de hoje, aldeias como Nazaré estão cada vez mais "fora do mapa". O êxodo rural levou nosso.campesinato para os cinturões de miséria das grandes cidades. As pequenas "Nazarés" não tem importância, sentido ou valor. Não contam para nada... A sensação que se tem ao contemplar alguns pequenos povoados e aldeias é a da insignificância e inutilidade: não tem aparência, não são elegantes, não estão de moda para o veraneio e outras ocasiões de férias, não crescem, não rendem, não dão lucro nem aumentam o capital. Lá permanecem as pessoas idosas, as "crianças e algumas pessoas adultas que ainda se dedicam ao cultivo da terra. Este tipo de povoados é considerado muitas vezes "descartável" na sociedade do Mercado e do Consumo. Não tem nada que ver com a cultura e o culto do corpo, com os templos dos grandes centros urbanos nos que se oferecem tantos cultos aos baals da beleza física, da aparência, dos esportes, da força e do prazer.
Não faz muito tempo, em uma reunião de religiosas e religiosos, lamentávamos, um pouco desanimados, como os de Emaús, alguns efeitos funestos do mundo do consumo e da pós-modernidade na vida Consagrada: a diminuição de forças e do número de vocações; os encantos e o poder da sociedade de consumo; a força dos ídolos do ter e do prazer. E nós perguntávamos sem muita esperança: - Como oferecer uma alternativa- sobretudo à juventude - algo que realmente entusiasma diante de tantas atrações? Um dos membros do grupo nos recordou então algo muito simples que parece que tínhamos esquecidos para ser fiéis ao Evangelho de Jesus e ao Jesus do Evangelho, não podemos pactuar com os poderes estabelecidos. Temos que ser; necessariamente, "contra-culturais". Os critérios e as opções de Jesus Cristo, que nos deu uma.palavra de fidelidade muito antes.que nos a déssemos a Ele, as raízes mais profundas da Consagração-Missão nos pedem uma resposta completamente diferente: "Se alguém quer seguir-me, esqueça-se de si mesmo, tome sua.cruz e siga-me" (Mc 8, 22b). Se nos deixamos possuir pela "paixão por Jesus Cristo e a paixão pela humanidade", daremos testemunho de outros valores que sim, contam e entusiasmam de verdade, e apresentaremos – a partir daí - um estilo de vida e de mundo diferentes e possíveis.
Partilho esta experiência porque me ajudou a rezar e aprofundar nas exigências do seguimento de Jesus, e me ajuda a perguntar-me pelo sentido de Nazaré para a Vida Consagrada, hoje.
5. Desafios e questionamentos...
A partir de tudo o que fomos vendo até agora e do que se intui e se descobre mais alem das palavras, podemos concluir que Nazaré é uma referência importantíssima no seguimento e prosseguimento de Jesus no mundo de hoje. A•reflexão sobre a "contra-culturalidade" a partir dos apelos e exigências da vida de Nazaré, nos pede uma mudança de ótica e de coração em nossos projetos pessoais, comunitários e apostólicos.
Falar de Deus a partir de Nazaré nos está pedindo hoje viver a partir da minoridade, sem tanta preocupação com número, apreço, segurança, prestígio, grandes obras, títulos, classe social... Poderíamos, talvez, fazer um pequeno exercício de continuar a lista daquilo que nos afasta de Nazaré: situações, critérios, preocupações, necessidades da sociedade do bem estar e do consumo que nos consomem... Nossas idolatrias e "amores" ...
Em Nazaré é tudo escondido, sem protagonismos, sem grandes façanhas e triunfalismos... Pedro Casaldáliga em um de seus poemas “E o Verbo se fez classe" escreve:
"No ventre de Maria
Deus se fez homem.
Mas na oficina de José
Deus também se fez classe"
Em nosso mundo de luta de classes, de violência, de tantos tipos de furacões e tsunamis e de tantas formas de morte, nosso Deus escuta os gritos de seu povo e faz uma clara opção pelo pequeno e simples, pela não violência ativa, por uma mudança de classe, por um compromisso definitivo com a VIDA.
Tudo o que nos rodeia clama pela vida. Os problemas de gênero, dos migrantes, dos refugiados, dos desalojados, do povo da rua, dos sem trabalho e. sem-pátria é cada vez mais universal. A globalização - em sua vertente negativa -, é realmente perversa; a despersonalização é uma epidemia terrível que mata o mais autêntico do ser humano. O Deus de Jesus de Nazaré, o "Abba":que Ele aprendeu a invocar sentado nos joelhos de sua mãe, Maria de Nazaré, escuta o clamor do povo e nos chama, não para libertá-lo como mestres e conquistadores, e sim para unir-nos a ele como irmãs e irmãos, ajudá-lo a colocar-se de pé e a lutar juntos pela libertação de todas as escravidões.
O Deus de Jesus nos ensina, a partir da escola de Nazaré, a viver a simplicidade e a irmandade ao redor da mesa da família; educa-nos para a compaixão misericordiosa e nos convoca à globalização da esperança, da gratuidade e da solidariedade, virtudes tão necessárias no mundo de hoje

Desde meu estudo em Roma estou seguindo a espiritualidade de Carlos de Foucauld, vivido na sua familia espiritual.
« L'amour de Dieu, l'amour des hommes, c'est toute ma vie, ce sera toute ma vie je l'espère ! »
Charles de Foucauld
Oração do Abandono
(Charles de Foucauld)
Meu Pai,
Eu me abandono a Ti,
Faz de mim o que quiseres.
O que fizeres de mim,
Eu Te agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Desde que a Tua vontade se faça em mim
E em tudo o que Tu criastes,
Nada mais quero, meu Deus.
Nas Tuas mãos entrego a minha vida.
Eu Te a dou, meu Deus,
Com todo o amor do meu coração,
Porque Te amo
E é para mim uma necessidade de amor dar-me,
Entregar-me nas Tuas mãos sem medida
Com uma confiança infinita
Porque Tu és...
Meu Pai!


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